jardim de luz
porque a luz deserta e limpa me reúne [Sophia de Mello Breyner]
2019-02-21
2019-02-17
Tragam-me um homem que me levante com
os olhos
que em mim deposite o fim da tragédia
com a graça de um balão acabado de encher
tragam-me um homem que venha em baldes,
solto e líquido para se misturar em mim
com a fé nupcial de rapaz prometido a despir-se
leve, leve, um principiante de pássaro
tragam-me um homem que me ame em círculos
que me ame em medos, que me ame em risos
que me ame em autocarros de roda no precipício
e me devolva as olheiras em gratidão de
estarmos vivos
um homem homem, um homem criança
um homem mulher
um homem florido de noites nos cabelos
um homem aquático em lume e inteiro
um homem casa, um homem inverno
um homem com boca de crepúsculo inclinado
de coração prefácio à espera de ser escrito
tragam-me um homem que me queira em mim
que eu erga em hemisférios e espalhe e cante
um homem mundo onde me possa perder
e que dedo a dedo me tire as farpas dos olhos
atirando-me à ilusão de sermos duas
novíssimas nuvens em pé.
Cláudia R. Sampaio, in Ver no Escuro,
ed. Tinta da China
2019-02-14
[...]
O mesmo se pode igualmente dizer das pessoas comuns – todos nós, afinal – que se diluem nas redes sociais no dia-a-dia como forma de dizer ‘eu sou’/‘eu estou aqui’. Quase que deixam de existir todos os dias, para voltarem, na manhã seguinte, a tentar ofegantemente respirar de olhos arregalados num novo post.
Os Toltecas faziam igualmente sacrifícios para que o sol nascesse depois de cada noite. A fé impunha a morte, mas agora o “temor e o tremor” parecem repetir-se. Compreender a fé é na realidade um absurdo, mas ainda mais absurdo é praticar uma fé (dir-se-á que é o caso dessa fé cega que consiste em ‘comunicar por comunicar’) num mundo que dela radicalmente se apeou, para dar lugar à liturgia da atenção inebriada.
Luis Carmelo (aqui)
O mesmo se pode igualmente dizer das pessoas comuns – todos nós, afinal – que se diluem nas redes sociais no dia-a-dia como forma de dizer ‘eu sou’/‘eu estou aqui’. Quase que deixam de existir todos os dias, para voltarem, na manhã seguinte, a tentar ofegantemente respirar de olhos arregalados num novo post.
Os Toltecas faziam igualmente sacrifícios para que o sol nascesse depois de cada noite. A fé impunha a morte, mas agora o “temor e o tremor” parecem repetir-se. Compreender a fé é na realidade um absurdo, mas ainda mais absurdo é praticar uma fé (dir-se-á que é o caso dessa fé cega que consiste em ‘comunicar por comunicar’) num mundo que dela radicalmente se apeou, para dar lugar à liturgia da atenção inebriada.
Luis Carmelo (aqui)
2019-01-08
2019-01-05
2018-12-30
2018-12-28
Já pensou em ser operado aos olhos?
Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com oitenta anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho...Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado às cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Avenida da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive de largar mil paus para umas gotas. Não me servem para nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo de cor...e o quarto está reduzido ao essencial...É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.
Entrevistas a Luiz Pacheco,
Tinta da China
Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com oitenta anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho...Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado às cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Avenida da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive de largar mil paus para umas gotas. Não me servem para nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo de cor...e o quarto está reduzido ao essencial...É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.
Entrevistas a Luiz Pacheco,
Tinta da China
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